Posição da SBEM sobre Texto Referência - BNCC e Diretrizes para formação de professores da Educação Básica

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Categoria: Notícias
Data de publicação Escrito por Antonio Nascimento

Posição da Sociedade Brasileira de Educação Matemática (SBEM) sobre o "Texto referência - Diretrizes Curriculares Nacionais e Base Nacional Comum para a Formação Inicial e Continuada de Professores da Educação Básica"

Apresentamos a posição da SBEM - Sociedade Brasileira de Educação Matemática - sobre as Diretrizes Curriculares Nacionais e Base Comum para a Formação Inicial e Continuada de Professores da Educação Básica (CNE-MEC).

Afirmamos nossa sintonia com a visão apresentada pela ANPED - Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação, a qual destaca que "o professor é uma pessoa que marca a vida de outras pessoas, que faz a diferença na vida de crianças, de jovens e de adultos, o que é possível justamente porque a prática educativa enquanto prática social não é homogênea, mas contextual, plural e diversa" (documento de posicionamento http://www.anped.org.br/news/posicao-da-anped-sobre-texto-referencia-dcn-e-bncc-para-formacao-inicial-e-continuada-de).

Consideramos como uma conquista de nossa sociedade a elaboração de políticas públicas da educação, inclusive aquelas sobre a formação de professores em consonância com as demandas da escola básica democrática, laica, universal e inclusiva, por proposição de muitos segmentos sociais, entre eles os movimentos docentes. Assim, manifestamos nossa profunda preocupação com a apresentação de uma proposta que se apresenta ao debate quando sua formulação se encontra finalizada e, nos seus termos, com a abertura à lógica privatista da educação em todos os níveis.

Expressamos nossa preocupação com a política de currículo nacional único e obrigatório para a escola básica e diretrizes para a formação de professores que, mesmo se apresentando como "bases" ou "diretrizes", se mostram como definitivas e impositivas, referenciadas em práticas de fiscalização, avaliação e financiamento, configurando-se em um modelo rígido que desconhece tanto a capacidade dos docentes em participar das formulações de políticas, quanto das diferenciações regionais e culturais que marcam nossa sociedade. Para que bases e diretrizes sejam reais, é preciso um diálogo responsável, franco e aberto em sua formulação e proposição de políticas, como também é necessário financiamento adequado para a educação e, principalmente, flexibilização nos processos, de modo a acolher a participação e respeitar as diversidades.

O vínculo que se apresenta nessas diretrizes com a BNCC indica que devam ser os professores e os demais profissionais da educação executores das bases nacionais propostas, um currículo padronizado, um viés que marca todo o texto e indica também uma perspectiva de treinamento dos estudantes.

Também é visível a descaracterização da política de formação de professores e de submissão da mesma à mera execução da BNCC. Na verdade, temos um documento voltado à BNCC e que lista uma série de documentos, que figuram como meros "apêndices", com ideias desarticuladas e que não auxiliam na construção de uma política de formação de professores séria, de qualidade e de compromisso do estado brasileiro. Embora se afirme (linhas 813 e 814) a importância dessa política pública de estado, a indicação do que se atualiza na Resolução 02/2015 não é evidente, pois os 11 princípios Formação de Profissionais do Magistério da Educação Básica (Resolução CNE/CP 5 nº 02/2015, p. 4-5) são desconsiderados.

A docência consciente e competente exige um profissional comprometido com a aprendizagem dos estudantes, que saiba analisar o contexto educativo, em conjunto com os educandos, que trace ações que se adequem às demandas e realidades. Na escolarização, é essencial que as questões sociais locais e gerais tenham seus espaços, como questões a serem debatidas e compreendidas como parte da vida social de educadores e educandos.

Ao adotar a referência no conceito de "competências", a proposta desconsidera o debate pautado em pesquisas e estudos teóricos que mostram o caráter técnico-instrumental que tal conceito impõe à formação de professores. Além do mais, o saber acadêmico (o do matemático, por exemplo) não deve ser o único considerado na formação do professor que ensina matemática. Há saberes experienciais, da (na e com) prática que, juntamente com os processos de constituição da identidade profissional docente, que igualmente devem assumir a centralidade na formação do professor.

É um parecer voltado mais ao aprendizado discente que à aprendizagem, à identidade e ao desenvolvimento profissional docente que se deflagra, na formação inicial, em cursos de Licenciatura. Os princípios da organização curricular dos cursos de formação docente (linha 902) não evidenciam sintonia com o grupo II (linha 1146).

Ainda, a formação continuada não tem visibilidade no parecer. Há diferenças significativas entre uma política de formação inicial de professores e uma de formação continuada, que envolve docentes já em exercício e profissionais em atividade e em fase de complementação ou de busca de uma formação inicial (por exemplo, o caso de professores dos anos iniciais e formados em Cursos na Modalidade Normal). Na resolução 02/2015 há um capítulo (o III) totalmente destinado à formação continuada.

A formação de professores não pode se realizar se não articulada a fortes incentivos à pesquisa, especialmente por ser a profissão uma prática social complexa, em constante mudança diante dos desafios existentes. O documento não especifica essa relação de modo claro, pois qualquer projeto nacional não pode deixar de indicar a articulação formação-pesquisa em educação como um eixo essencial.

Além disso, a relação universidade-escola básica necessita ser parte intrínseca do processo, institucionalizando programas como o PIBID - Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência, cuja existência está sempre colocada em dúvida pelos gestores federais.

Apresentamos, ainda, a preocupação com o entendimento sobre os ingressantes nos cursos de licenciatura, futuro professor da educação básica, considerado com "déficits de aprendizagem" (linha 333). É preciso que seja feita uma análise das condições sociais dos estudantes da escola básica, identificando múltiplos fatores que existem em suas vidas, próprios do sistema desigual que vivemos em nossa sociedade. É preciso considerar, ainda, o estudante trabalhador do ensino médio que frequenta, muitas vezes, escolas em condições precárias, tendo que lutar pela sobrevivência e garantir seus estudos. Ademais, diante das condições sociais e da diversidade que caracteriza nossa sociedade, é preciso que a escola e a universidade interajam entre si e acolham projetos específicos com foco no educando que recebem. Essa é mais uma situação que coloca em questão um currículo único e obrigatório.

É preocupante a proposição de "institutos de formação de professores", apoiados mediante programas de editais e que teriam, em sua composição, além de docentes da IES formadora, professores das redes de ensino, promovendo uma ponte orgânica entre o ensino superior e a educação básica" (linhas 896-900). O que se pode interpretar com essa institucionalização é mais uma iniciativa de afastamento do estado brasileiro (como já vemos na reforma do Ensino Médio) com o compromisso com as políticas de formação de professores e de delegação da mesma a instituições privadas ou movimentos que dizem advogar pela Educação (linha 93) mas que, na verdade, estão interessados em recursos e em atendimentos a interesses do capital estrangeiro.

Quanto à carga horária de 1600 horas, proposta para ser dedicada à aprendizagem dos conteúdos específicos das áreas e componentes da BNCC, são definidos temas como  Inclusão e diversidade; noções básicas de alfabetização de criança, jovem e adulto; Compromisso com a equidade e igualdade social; Engajamento com sua formação e seu desenvolvimento profissional (linha 1146-1162). Além de inconsistência teórica para tal, mostra-se subestimação do processo de letramento escolar e científico, uma vez que não seria possível contemplar todos esses estudos nessa carga horária.

O conceito de tecnologia na proposta é difuso e variável. Tampouco, é visível no parecer a importância na tecnologia como norteadora dos princípios de organização curricular (item 5.2, linha 945). É impossível pensarmos em currículos de formação (inicial ou continuada) de professores inovadores, comprometidos com a equidade e a justiça social sem infraestrutura e política de informática educativa articulada a diferentes ações de desenvolvimento profissional. A título de ilustração, na resolução 02/2015, a importância das Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC) é visível no capítulo II (inciso VI), no capítulo III (artigo 7o incisos III e VIII, artigo 8o inciso V), no capítulo IV (artigo 9o, § 3o; artigo 10 inciso II).

Há um elenco de referências bibliográficas, inclusive, algumas estrangeiro-empresariais (Vark Foundation, linhas 351, 406), desarticuladas com a produção nacional, mostrando um desconhecimento do corpo teórico existente no âmbito da pesquisa em educação, condizente com o nosso contexto histórico e social.

Há um conjunto de indicadores numéricos, por exemplo, na Tabela 7 (linha 427), que indica a evolução dos valores do piso salarial nacional do magistério de 2009 a 2018. Mesmo que TODOS os profissionais do magistério das redes públicas da educação básica e dos demais profissionais de nível superior com escolaridade equivalente do Brasil recebessem atualmente o salário de R$ 2.455,35 seria uma vergonha reconhecer, em um documento do MEC, esse valor como grande avanço na melhoria das condições salariais dos profissionais do magistério.

Reiteramos que a Resolução 02/2015, constituída de forma integrada entre as comissões científicas da área e após muito debate e discussão com os órgãos representativos dos profissionais da educação e do campo científico deve permanecer na íntegra, pois seus resultados sequer foram analisados ainda. Compreendemos que concordar com essas novas diretrizes propostas pelo parecer não condiz com o que o coletivo decidiu para uma formação de professores de qualidade e socialmente referenciada. Além disso, atrelar uma diretriz de formação de professores diretamente a uma proposta de Base Nacional Comum para a Educação Básica restringe a formação dos professores.

Enfim, também fazemos nossas as vozes da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (ANPEd) e da Associação Nacional pela Formação dos Profissionais da Educação (Anfope) - da qual a SBEM é signatária com outras entidades e associações -, que defendem a manutenção sem alterações e a imediata implementação da Resolução 02/2015.



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