Carta ao Excelentíssimo Sr Ministro de Estado de Educação, prof Fernando Haddad.

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Categoria: Notícias
Data de publicação Escrito por Webmaster

Publicado em: 2010-01-01 00:00:00

   SOCIEDADE BRASILEIRA DE EDUCAÇÃO MATEMÁTICA

Excelentíssimo Sr Ministro de Estado de Educação, prof Fernando Haddad.
     A Sociedade Brasileira de Educação Matemática-SBEM louva a iniciativa do Ministério da Educação na realização de uma consulta e coleta de pareceres acerca dos “Referencias Curriculares Nacionais dos Cursos de Bacharelado e Licenciatura em Matemática”. Registramos junto ao Ministério da Educação a importância desse ato para a consolidação do debate público e a valorização da produção de conhecimento. Por isso, a SBEM apresenta nesse documento sua contribuição, destacando, inicialmente, marcos de sua história, algumas contribuições para o desenvolvimento da Educação Brasileira para em seguida, discorrer sobre as demandas da formação do Licenciando em Matemática.
    A SBEM, com mais de 10.000 filiados de todas as unidades federadas brasileiras, entre professores dos diversos níveis e modalidades de ensino, estudantes, docentes universitários e pesquisadores, é uma associação civil sem fins lucrativos, de âmbito nacional e sem qualquer vinculação político-partidária ou religiosa, com caráter educacional, científico e cultural, fundada em 27 de janeiro de 1988.  Trata-se de uma Sociedade científica que teve por embrião um grupo formado por professores e pesquisadores das universidades que, mesmo antes de sua fundação, refletiam, investigavam e já propunham novas concepções e projetos de formação para a Licenciatura em Matemática.
A SBEM tem pautado sua história pela forte participação de seus educadores matemáticos na concepção, desenvolvimento e implantação de importantes políticas públicas na área educacional, tais como SAEB, PROVA BRASIL, ENEM, ENADE, ENCEJA, PNLD, GESTAR, Pró-Formação e, mais recentemente, Pró-Letramento. Além disso, há uma  marcante atuação dos mesmos nos cursos de Licenciatura em Matemática assim como nos mais de sessenta Programas de Pós-Graduação em Educação Matemático no Brasil.
Neste momento de discussão acerca dos Referenciais para o Curso de Licenciatura em Matemática, assumimos o compromisso em estarmos presentes na discussão, contribuindo na definição dos mesmos. A formação de professores é questão de alta relevância na nossa Sociedade, sendo inclusive tema de um dos Grupos de Trabalhos de nossa estrutura acadêmico-científica. A SBEM já possui várias publicações do tema de formação de professores. Além disso, já iniciamos a organização do IV Fórum Nacional de Licenciaturas de Matemática, que será realizado em São Paulo no primeiro trimestre de 2011, em São Paulo. Para tanto, ao longo do segundo semestre de 2010 as Diretorias Regionais, apoiadas nas IES, realizarão os Fóruns Regionais de Licenciatura de Matemática, preparatórios para o Fórum Nacional, quando a SBEM promoverá amplo e profundo debate sobre os Referencias  Curriculares Nacionais dos Cursos de Bacharelado e Licenciatura de Matemática. Temos a certeza de que os fóruns produzirão importantes documentos informações de alta relevância acerca do panorama e perspectivas segundo olhares, reflexões e proposições de professores formadores e pesquisadores da área de todo país.
Entretanto, pensamos não ser prudente esperar tais documentos para o primeiro trimestre de 2011, nos vendo impelidos a já apresentarmos um posicionamento prévio acerca do documento. Assim sendo, a Diretoria Nacional Executiva encaminha na presente data um primeiro posicionamento quanto  às nossas inquietações acerca da formação dos professores na Licenciatura de Matemática em nosso país.
A formação do professor implica uma complexa rede de conhecimentos que devemos levar em conta ao concebermos o currículo de formação sustentado no desenvolvimento de competências profissionais. Ao analisarmos o documento com a minuta dos “Referenciais Curriculares dos Cursos de Bacharelado e Licenciatura”, alguns pontos mais relevantes vêm à tona, os quais devem basilar a estruturação dos Referenciais Curriculares dos Cursos de Licenciatura de Matemática:
•    O domínio dos conteúdos matemáticos é fundamental para o desenvolvimento de competências profissionais para a docência na Educação Básica. Dominar conteúdos matemáticos é necessário, entretanto, não suficiente para a formação do professor, tendo em vista os desafios inerentes à sua atuação profissional. O licenciado em Matemática, além de conhecimento matemático, deve ter sólida formação pedagógica que o permita realizar a transposição didática dos conteúdos, levando em consideração as necessidades, motivações e nível de desenvolvimento dos aprendizes dos ensinos fundamental e médio. Considerar que o conhecimento dos conteúdos matemáticos é suficiente ou prioritário na formação é, no mínimo, uma posição ingênua daqueles que não têm conhecimento da realidade da escola básica.
•    O domínio de conhecimentos pedagógicos diz respeito ao processo de aprendizagem e produção de conhecimento numa comunidade de investigação em sala de aula que é cultura e epistemologicamente diferente daquele presente nos Departamentos de Matemática das universidades:
o     Saber como crianças, adolescentes e adultos estruturam seus pensamentos, como evoluem os conceitos, como as idéias são atreladas à ação efetiva de resolução de problemas culturalmente significativos para os alunos;
o    Conhecer a gênese dos registros matemáticos numa relação dialética objeto-ferramenta;
o    Saber considerar a diversidade de procedimentos e produções escritas (respeitando e valorizando a diversidades e criatividade matemática);
o    Ser capaz de favorecer o desenvolvimento do poder argumentativo oral e escrito a serem reconhecidas e valorizadas pelos professores como eixo estruturante da ação educativa em Matemática;
o    Desenvolver estratégias de realização da necessária transposição didática com profunda articulação entre conceitos espontâneos e conceitos científicos, sempre alicerçados no processo de significação/subjetivação; e,
o    Reconhecer as formas próprias e particulares dos alunos de construir seus procedimentos de aprendizagem e aplicação do conhecimento matemático dentro e fora da escola.
o    Desenvolver projetos pedagógicos que favoreçam nos alunos atitudes positivas em relação à Matemática.

Este conjunto de competências, mútua e dialeticamente imbricados, traduzem certa imagem de conhecimentos a serem adquiridos pelo professor de Matemática, que somente o conhecimento matemático não é capaz de dar sustentação teórico-espistemológico-metodológica.
•    O domínio de conhecimentos curriculares que permite ao professor definir suas posições político-ideológico-metodológicas quanto à importância da Matemática no currículo escolar, a escolha de conteúdos mais relevantes e significativos tanto para sua inserção cultural quanto para continuidade de estudos, assim como para  realizar seleção de recursos e metodologias, procedimentos  e instrumentos de avaliação. É neste domínio que o professor pode se posicionar de forma mais crítica, política e ética em relação à definição de programas de ensino, numa dimensão política que, por certo, apenas o domínio do conteúdo matemático não favorece.
•    A natureza distinta entre o trabalho do matemático e  trabalho do professor de Matemática. É fundamental considerar que na sala de aula também se produz conhecimento matemático, mas de natureza epistemológica diferente daquele realizado na  academia. Para que o professor possa ser o grande orquestrador e mediador da produção matemática de sua sala de aula, fazendo favorecer o desenvolvimento do espírito matemático de seus alunos, este profissional tem de, além de dominar os objetos de conhecimentos da Matemática, apropriar-se de habilidades que extrapolam o domínio matemático, levando em conta aspectos culturais, sociais, históricos, estéticos e éticos que estão associados ao processo de fazer matemática e utilizar deste conhecimento na atuação cidadã.
Isso implica que, além do conhecimento matemático, para desenvolver projetos educacionais que favoreçam a aprendizagem matemática com significado e promotor de desenvolvimento humano, o professor de Matemática tem de se apropriar de forma mais ampla e diferenciada do conhecimento normalmente tratado por um Bacharelado de Matemática. O professor tem que desenvolver em sua formação universitária uma percepção acerca da produção matemática nos diversos contextos socioculturais que levem em conta a diversidade das formas de pensar e produzir Matemática. O professor tem que reconhecer em cada aluno formas lógicas próprias de pensar, de intuir, de modelar matematicamente fenômenos, que devem ser base da construção do  conhecimento em sala  de aula e fora dela.
Assim,  revela-se preocupante a questão da carga horária proposta no documento, não podendo ser possível a integralização do curso de Licenciatura em Matemática em três anos  sem perda da qualidade de formação, o que já é um problema social altamente desafiante. O aligeiramento da formação do licenciado em Matemática, como proposto, com certeza, agravará o baixo nível de formação, caso não seja considerada a necessidade de uma ampliação do tempo de formação.  Consideramos fundamental que a formação dê conta, de um lado, da aquisição de habilidades matemáticas e, do outro, de habilidades psico-didático-pedagógicas, com todas as dimensões formativas desenvolvidas de forma equilibrada, uma vez que já foi o tempo de se crer que o sujeito que tenha profundo conhecimento matemático seja um professor competente.
Basta olhar para a história de nossa educação, o quanto perdemos de qualidade no período em que imperou o modelo 3+1  nos Projetos de Licenciatura, nos quais a ênfase da formação do professor era o conteúdo específico. É o momento de darmos uma real e significativa contribuição para esta história, concebendo outras formas lógicas no processo formativo, nas quias o domínio do conteúdo matemático é um elo desta corrente, mas que não subsiste sem uma valorização e melhor articulação com as demais dimensões formativas.
O nosso desafio é que, mesmo não tendo todo conhecimento matemático do Bacharel em Matemática, o aluno de Licenciatura deve integralizar o Curso com um conhecimento suficientemente sólido da Matemática, que o permita promover  produções matemáticas nas escolas, por meio de sua recontextualização, resignificação e exemplificação, permitindo que a Matemática não seja vista como saber estático, não histórico e despolitizado, mas que seja tratado em sala de aula como fonte de produção de conhecimento, de estruturas de pensamento e profundamente articulado à cultura, história, ética e diversidade.
Em síntese, é fundamental que o tempo de integralização das horas de formação de Licenciatura em Matemática seja, assim como o do Bacharelado, de 4 anos, em especial considerando as 2.800 horas de formação e a diversidade de domínios de conhecimentos necessários para uma formação de qualidade para que possamos responder aos desafios da Educação Matemática da nossa Educação Básica.
Quanto aos “Temas Abordados na Formação” é marcante a absoluta ausência da Psicologia da Aprendizagem e do Desenvolvimento humano, destacando que a Psicologia da Educação não dá conta dos estudos dos processos de aprendizagem. Fica diante de tal ausência uma questão vital: Como formar o professor sem um domínio mínimo de compreensão de como se estrutura a aprendizagem, a construção de conceitos e procedimentos, para então se colocar como organizador de atividades, situações e ambiente, assim como de mediador pedagógico?
Em relação aos “Ambientes de atuação” destaca-se a referência às “instituições de ensino que oferecem cursos de nível fundamental e médio”, uma vez que o termo “curso” é pouco apropriado diante das demandas associadas à Educação Matemática: na Educação Básica não devemos somente oferecer “cursos”, mas oferecer processos educativos que favoreçam o desenvolvimento humano, no qual os conhecimentos matemáticos são parte integrante.

Aguardando a produção advinda dos Fóruns Regionais e do Fórum Nacional de Licenciatura em promoção pela SBEM a partir de agosto de 2010, apresentamos estas primeiras reflexões que são pontos iniciais levantados, esperando que dêem uma contribuição para uma nova concepção da formação dos professores de Matemática nas Licenciaturas, na certeza que ao propormos uma formação inicial de maior qualidade, em poucos anos teremos mudanças mais sólidas e significativas no panorama da aprendizagem matemática escolar em nosso país.
Brasília, 19 de agosto de 2010.


        
Atenciosamente
 Cristiano Alberto Muniz - UnB
 Rute Borba - UFPE
Regina da Silva Pina  Neves - UFG
 Marilena Bittar- UFMS
 Lucas Seibert - CLB
 Cleyton Hércules Gontijo - UnB
 Wagner Valente -UNIFESP

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