SBEM frente à proposta de mestrado profissional da SBM
Publicado em: 2010-01-01 00:00:00
Relato da participação da SBEM no conhecimento, análise e posicionamento quanto a proposta de um curso de Mestrado Profissional em Matemática proposto pela SBM e aprovado pela CAPES.
Até o dia 22 de outubro, assim como os demais educadores matemáticos, tínhamos apenas informações extra-oficiais de uma proposta da SBM de um Mestrado à distância. Na tarde do dia 20, recebi uma consulta por parte da CAPES sobre a possibilidade de estar presente em uma “reunião” para análise da proposta e contribuições representando a SBEM.
Apesar de ter agenda já comprometida, cancelei todos os compromissos em função da relevância do fato.
Chegando na CAPES, deparei-me com um comitê de cinco doutores em matemática pura, e soube que na verdade a reunião era para conhecermos, analisarmos e julgarmos a proposta para encaminhamento imediato ao CTC. Ao expor meu estranhamento uma vez que não conhecia a proposta, fui informado que ninguém do grupo conhecia e que a mesma seria apresentada naquele momento, e no mesmo dia, até as 15h deveríamos elaborar nosso parecer. Por um momento pensei em me retirar e não realizar o trabalho, mas vi o quanto era importante a SBEM estar representada neste espaço e levar suas críticas e fazer enfrentamentos construtivos essenciais para o avanço das relações entre a Educação Matemática e Matemática Pura. Ainda mais que nossa ausência não iria impedir o julgamento da mesma.
Procedemos individualmente à análise do Projeto. Eis alguns dos pontos mais relevantes que identifico na proposta do curso de Mestrado profissional em Matemática proposto pela SBM à CAPES, por mim colocadas junto ao Comitê:
• A proposta acaba por se configurar em curso de Matemática, cujo objetivo não é tratar das questões desafiadoras do contexto educativo, se limitando a tratar de objetos matemáticos, típicos de curso de graduação de bacharelado em Matemática. Assim é claro ao Comitê que julgou que a proposta se limita a tratar de conteúdos matemáticos, sendo a Matemática pela Matemática. O curso não atende de forma alguma temas relevantes presentes nas aulas de matemática da escola básica brasileira tais como a diversidade, inclusão, educação integral, defasagem idade/série, entre outros muitos temas altamente relevante. Em decorrência desta colocação o Comitê recomenda que o CTC estimule, ou mesmo, lance proposta de fomento de apresentação de Projetos neste sentido. A proposta da SBM não atinge este objetivo, e se limita ao desenvolvimento de competência matemática, mas o que não se vincula, necessariamente, no desenvolvimento profissional quanto a atuação competente do professor na sala de aula. Mesmo em se tratando de conteúdo matemático, o mesmo equivale aos quatro primeiros períodos de um curso de Licenciatura em Matemática. Ou seja, o nível de cobrança de conhecimento matemático no referido Mestrado é inferior às licenciaturas da maioria dos cursos ofertados no nível da graduação nas universidades federais.
• A equipe de professores que figuram no projeto são em 100% de DOUTORES EM MATEMÀTICA (como apontam os dados apresentados no formulário da proposta), o que justifica o perfil da proposta. Do grande número de participantes apenas 7 têm alguma produção na área de Educação Matemática. Na quase totalidade as produções são em Matemática pura, o que revela um despreparo para tratar da dimensão educacional do desafio a que propõe. Para amenizar tal realidade, o projeto apresenta como produção os projetos da SBM tais como a OBEMEP e a rede nacional, mas sem o engajamento dos muitos professores que figuram na proposta.
• Há um grande equívoco tanto nos objetivos quanto ao público alvo. O curso está longe de contribuir plenamente com o desenvolvimento profissional do professor da escola básica, uma vez que se limita a tratar dos conteúdos matemáticos, sem qualquer compromisso com estudos no campo da educação. O objetivo e público alvo deveriam ser completamente revistos, devendo se limitar ao tratamento da Matemática (é curso de Matemática, e podendo ser ofertado para outros campos que não seja aos professores) e somente aos professores do Ensino Médio. O comitê (composto quase que somente de doutores em Matemática, desconhecedores da realidade educativa brasileira) acabou colocando também professores das séries finais do ensino fundamental com receio que a delimitação seria motivo de reprovação pelo CTC. Propus que a proposta seja completamente revista, pois como está prevejo o fracasso da mesma com enorme evasão. Imagine um professor de anos iniciais (ou mesmo de educação infantil) se inscrever e se defrontar com cursos com tais ementas, sem qualquer relação com sua atuação profissional.
• Membros do Comitê alegam que ao objetivos e público alvo não são relevantes uma vez que haverá uma prova avaliativa para selecionar os alunos. Mas chamo atenção para que tal procedimento permitirá a entrada precisamente dos que menos necessitam da formação. A proposta é, assim, elitista. A proposta acaba por indicar a necessidade de propormos formação matemática para professores da escola básica, com ênfase nos anos inicias e todo ensino fundamental, para a EJA e tratando do desenvolvimento de competências voltadas para a inclusão em seus mais amplos sentidos e significados.
• O curso aprovado pela CAPES é composto por um rol de disciplinas eminentemente destinadas ao desenvolvimento de competências matemáticas (não tratando de questões pedagógicas ou curriculares que caracterizam o desenvolvimento profissional do professor). O rol de disciplinas apresenta muitas poucas que tratam dos objetos matemáticos que são trabalhados pelos professores. Mesmo as disciplinas que teriam como foco objetos matemáticos tratados no ensino fundamental, como é o caso de Aritmética 1 e 2, acabam por firmarem no objetivo de uma matemática mais próxima do bacharelado, não trazendo contribuição para o desenvolvimento profissional do professor. Membros do Comitê alegam que o curso se propõe somente a tratar de Matemática, o que já é meritório, cabendo ao professor aplicação em sua prática pedagógica. Corremos o risco dos professores cursistas levarem para a sala de aula uma matemática ainda mais abstrata e descontextualizada, por inspiração do curso de Mestrado Profissional. Disciplinas como Geometria, História e tecnologias são mais apropriadas, mas mais próximas ao trabalho dos professores do ensino médio. O curso, se aprovado, deveria se limitar aos professores do Ensino Médio.
• Não há disciplinas que tratem de questões específicas voltadas ao ensino tais como sobre aprendizagem, currículo, didática, e tampouco sobre epistemologia da matemática, epistemologia das ciências e da pesquisa. Afinal, é uma proposta de Mestrado Profissional, e deveria trazer contribuições para o professor problematizar, teorizar e propor alternativas de superação de seus desafios presentes na escola. (saber matemática não basta). Enquanto mestrado profissional, a proposta passa longe da questão da produção de alguma proposta pelo professor. O trabalho final, como explicitado na proposta, acaba por se configurar em mais uma disciplina. O curso assim é composto apenas de disciplinas: onde entra aí o Mestrado? Mesmo as disciplinas matemáticas são típicas de início de uma graduação de Matemática, não se apresentando como um aprofundamento, como o deveria o ser. Podemos dizer que acaba por se configurar num empobrecimento da Licenciatura, não sendo nem graduação e tampouco pós-graduação.
• As Linhas de pesquisa são outro problema sério na proposta que não está equacionado. A entrada do aluno no Mestrado implica na inserção do mestrando na linha de pesquisa do orientador. Mas as linhas de pesquisas dos possíveis orientadores que figuram na proposta apresentada são de matemática pura, tais como Análise, Topologia, Geometria Diferencial, Álgebra, etc. Como se dará a inserção dos alunos nos Programas? Os alunos formados receberão o título em Mestrado Profissional em Matemática em qual linha????
• Há outro equivoco sério na proposta que se propõe à formar profissionais, em nível de pós-graduação, visando proporcionar ao professor da escola básica competência matemática certificada...” (pag. 4 do projeto impresso). Afinal a formação é realizada na graduação, somente na graduação se forma o professor, conforme a legislação vigente. Ou o CTC vai propor alterar a LDB?
• O curso proposto se caracteriza mais como uma especialização do que mestrado profissional.
• Falta definir quem serão os mediadores/tutores, o perfil deste é fundamental para o apoio ao professor, sobretudo no que diz respeito às atividades matemáticas.
• Muitos dos professores que compõem a equipe não têm produção no triênio, e quando tem, não se articula ao objeto da proposta: sua produções são (com raras exceções) em Matemática pura.
• A bibliografia proposta é praticamente em sua totalidade endógena, se limitando às publicações da SBM e IMPA. Para um mestrado isso não deveria ocorrer. Para amenizar esta realidade a Comissão de avaliação (para evitar a reprovação da proposta) preferiu colocar “recomenda-se ampliar o referencial bibliográfico. Mas tal endogenia denuncia uma restrição teórico-epistemológico na proposta. A CAPES vai ser conivente com isso? Qual é o papel dos estudos no nível do mestrado profissional ou acadêmico? É a de doutrinação epistemológica ou de ampliação e discussão de múltiplas formas de teorizar a realidade?
• Na proposta não se encontra de forma alguma o papel da investigação na formação. É Mestrado Profissional, mas a reflexão crítica sobre sua realidade e proposição de soluções, propondo produtos e processos seria um eixo central neste mestrado que é plenamente negligenciado. Afinal, é um Mestrado ou uma especialização (Pós-Graduação Latus senso) em conteúdos matemáticos? A proposta está mais próxima desta segunda opção. Mesmo assim o CTC aprovou o curso.
• Seria mais prudente que o CTC desse um tempo para que se repense a proposta e se apresentar algo que efetivamente traga uma maior contribuição ao professor da Educação Básica para que possa desenvolver suas atividades profissionais com uma matemática mais significativa e elemento central no desenvolvimento humano e cultural do cidadão do mundo presente e futuro.
• Um ponto forte e meritório da proposta é tanto a articulação com a UAB quanto a formação de uma rede nacional envolvendo professores de diversas universidades brasileiras. Entretanto, há ausência na proposta de participação de educadores, afinal, não vai ser dirigido aos professores e objetivando sua práxis matemática em sala de aula. Se assim não o for, não precisamos colocar o curso para “professores de Matemática” e abrir o curso a outro público alvo.
Todos estes pontos foram por mim expostos e justificados, sempre alertando que o intuito da SBEM é de contribuir para que chegue ao professor uma proposta de qualidade e que responda as necessidades da docência, para além do conhecimento matemático. Como era “voto vencido” o grupo colocou no parecer as críticas sempre de forma a não prejudicar o encaminhamento para a sua aprovação. Entretanto, a fala dos integrantes do comitê fora sempre de reconhecimento da propriedade das críticas apresentadas e da importância da presença de educador matemático no processo para apontar tais incongruências.
Um ponto que merece destaque é que o comitê insere no parecer a necessidade do CTC apoiar outras propostas que visem atender os pontos levantados por nós, sobretudo a inclusão, defasagem idade série, e sobretudo com propostas voltadas às séries iniciais, dentre muitos outros. Isso pode ser usado por nós como a abertura de uma porta não existente até então.
Após a reunião, foi enviado um documento por nós elaborado para instrumentalizar as argumentações do Nardi junto ao CTC, uma vez que estas críticas apareceram amenizadas no parecer. Assim a participação da SBEM foi em duplo espaço, apontando problemas e apresentando críticas. É necessário observar que neste processo a CAPES atropela os processos de credenciamento e avaliação, uma vez que por certo não haverá uma coerência entre os temas a serem abordados pelos mestrandos e as linha de pesquisa do orientador, uma vez que os docentes que figuram na proposta não pesquisam no campo da educação, mas sim em Matemática Pura, exceto raras exceções. Ressaltamos que se trata de um Mestrado Profissional com público objetivo: professores da escola básica.
Neste momento que vemos a proposta aprovada uma vez que fomos voto vencido dentro do Comitê e do CTC, nosso papel é aproveitarmos para enxergarmos os espaços que vislumbramos para apresentar propostas, no campo da Educação Matemática, com projeto bem mais amplo do mero conhecimento matemático, com a perspectiva de fornecer aos professores formações que dêem instrumentos para responderem com qualidade os desafios presentes em suas práticas. Propostas de atualização e/ou aperfeiçoamento (ou mesmo especializações) no campo do ensino-aprendizagem, que busquem tratar dos conceitos e procedimentos matemáticos desde os anos iniciais do ensino fundamental, mas de forma que os conteúdos matemáticos tratados em sala de aula sejam alavancadores de temáticas mais amplas acerca da aprendizagem, desenvolvimento e educação.
Vislumbrar espaços de atuação, para além da crítica da proposta aprovada, concebendo idéias mais ricas e interessantes para o professor, este deve ser o papel da diretoria da SBEM. Cobrar um apoio da CAPES e MEC de nossas propostas, esta é uma postura que consideramos mais apropriada para nossa contribuição à comunidade educacional brasileira, fortalecendo a SBEM quando ela passa a realizar as suas missões para as quais foi criada.
Mas é necessário que tal projeto não seja de poucas cabeças de seus diretores, mas que possamos contar com ampla participação de seus filiados na sua concepção.
Nestes momentos de confrontos e definição de espaços nas políticas públicas é necessário que estejamos juntos para apresentação de nossas propostas.
A presidência.